Rua, Pablo Lobato 

 

Pablo Lobato nasceu em 1976, em Bom Despacho, Minas Gerais e mora em Belo Horizonte. Em seu trabalho a intuição prevalece sobre a dimensão projetiva, encontrando modos de operar nas qualidades e sentidos que cada material e situação informam. Antes de ter as artes plásticas como principal campo de atuação, sua prática artística concentrou-se no cinema. Foi um dos criadores da Teia – Centro de Pesquisa e Produção Audiosivual (Belo Horizonte, 2002-2014); co-dirigiu o longa metragem Acidente (2006); foi bolsista da Fundação John Simon Guggenheim (NY, 2009). Exibiu regularmente (2000 a 2011), em festivais de cinema no Brasil e exterior, como Festival do Rio; Festival de Brasília; Sundance, EUA; Locarno, Suíça, entre outros. Dentre as últimas exposições individuais, Outono, apesar de tudo (Luciana Brito Galeria, São Paulo, 2017), Da natureza das coisas – Pablo Lobato (Museu de Arte do Rio, Rio de Janeiro, 2016); Profanações (Fundaj, Recife, 2015); Coupure, latence (Galeria Bendana-Pinel, Paris, 2014). Dentre as mostras coletivas, Prêmio Marcantonio Vilaça (MuBe, São Paulo, 2017); Video Art in Latin America (Getty Center, Los Angeles, 2016); 10ª Bienal do Mercosul (Porto Alegre, 2015); Bienal de Montevideo (Montevideo, 2014); Bienal de Sharjah (Emirados Árabes, 2013); The Storytellers, Stenersen Museum (Oslo, 2012); Panorama da Arte Brasileira (Museu de Arte Moderna de São Paulo, 2011), O desejo da forma (Akademie der Künste, Berlim, 2010). Seu trabalho integra as coleções públicas do MAR – Museu de Arte do Rio de Janeiro; Museu da Cidade de São Paulo; MACBA – Museu d’Art Contemporani de Barcelona, Espanha; Sharjah Art Foundation, Emirados Árabes; MAM-RJ – Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro; FUNDAJ – Fundação Joaquim Nabuco, Recife; MAC-PR – Museu de Arte Contemporânea do Paraná, Curitiba; MACRS – Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul, Porto Alegre; MARGS – Museu de Arte do Rio Grande do Sul, Porto Alegre; CCBNB – Centro Cultural Banco do Nordeste, Fortaleza, dentre outras.Graduado na Faculdade de Comunicação e Artes – PUC Minas. Especializou-se em Cinema – PUC Minas/UFMG. Estudou fotografia na Escola Guignard – UEMG. [http://www.teia.art.br/br/pablo]

 

Pablo Lobato aceitou ceder imagens do seu trabalho que resultou no livro de artista RUA. Tratam-se de imagens realizadas durante uma prática em curso desde 2014. Encontradas sempre em diferentes ruas, de diferentes países, as imagens são fotografadas com câmera de celular e postadas no perfil pessoal de Pablo no facebook após cada captura. Um conjunto de imagens foi selecionado e editado para publicação do livro. RUA foi publicado como obra comissionada para a exposição “Da Natureza das Coisas - Pablo Lobato”, que esteve em cartaz no Museu de Arte do Rio de Janeiro (MAR), de 26 de abril a 18 de setembro e 2016, com curadoria de Clarissa Diniz.

Temos abaixo fotos que ilustram a forma como o objeto livro foi exposto no museu. O suporte para o livro e as aberturas na parede do museu configuram uma intervenção artística nomeada como “Remanso” e comentada no texto de Júlio Martins para a exposição, que reproduzimos abaixo. O artista propõe um suporte que sustenta o livro e uma abertura na parede que permite ao público da exposição se assentar no chão e folhear tranquilamente o objeto.

Segundo Pablo, não havia controle sobre a reposição dos livros ao seu espaço de oferta. Constatou-se que alguns livros foram levados pelo público, uma porcentagem em torno de 1,7, ou seja, menos de 2 livros por dia foram levados pelo público num período de quase seis meses. Como nos disse Pablo, uma parte deste seu trabalho tinha voltado para a rua.

 

RUA, de Pablo Lobato

Na exposição da “Da Natureza das Coisas”, ainda que prevaleça uma ocupação bastante limpa da arquitetura do museu, permitindo um vagar mais generoso e livre pelo espaço expositivo, chamam atenção alguns intervalos nas paredes laterais em que parte do verso original da fachada se deixa ver por cortes realizados nas paredes que a recobrem.

“Remanso” é uma intervenção do artista em que certos segmentos das paredes foram inclinados de forma a criar uma abertura nos limites físicos e simbólicos do museu, uma fenda que aponta para a rua, adensa a sua evocação para além dos limites do espaço expositivo, ao mesmo tempo em que oferece conforto ao visitante que ali encontra o livro de artista “RUA” e é convidado a sentar-se no chão e apoiar as costas comodamente para folhear suas páginas. 

“Remanso” pode ser lido como uma tentativa de modelar o espaço expositivo para promover a experiência com o livro, uma afirmação sensível às exigências em termos de leitura e apropriação que a linguagem do livro de artista requer. Nesse sentido, o desafio de se apresentar um livro de artista encontrou sintonia com a poética de escuta aguçada e singularidade, questões importantes nos trabalhos reunidos em “Da Natureza das Coisas – Pablo Lobato”. Assim, essa intervenção site specific mantém vínculo com a exposição ao mesmo tempo em que firma-se como um ponto de fuga, uma zona de escape ao que os limites do ambiente expositivo podem impor ao tipo de fruição que a leitura do livro solicita, ou talvez demande. Seguindo as possibilidades abertas pelas conceituações de Ulisses Carrión[1] em seu “A nova arte de fazer livros”, um livro é entendido como uma sequência autônoma de espaços e momentos, e deve articular sistemas de signos segundo as leis específicas e características constituintes do próprio livro.

Imagem usada no convite de lançamento do livro, que aconteceu na livraria Quixote, Belo Horizonte, setembro de 2016. 

Pablo Lobato, atento à natureza da linguagem do livro de artista, articulou seu conjunto de fotografias assimilando a noção que “um livro permite ritmar a experiência pelo passar de suas páginas”. A experiência que “RUA” nos oferece em suas páginas é mesmo a de um passeio – sem ponto de partida nem destino, sem roteiro, nem espetáculo. As imagens foram feitas com celular para preservar a agilidade e espontaneidade suscitadas pelos encontros com as situações urbanas, sempre imprevistos e inaugurais, como o são as possibilidades de imersão nas páginas.

O livro de artista “RUA”, de Pablo Lobato, reúne uma coleção de fotografias realizadas durante trajetos pelas ruas das cidades, sobretudo latino-americanas, onde, à causa de saltos temporais acelerados em suas constituições urbanas, muitas vezes os canteiros e fundamentos dos projetos podem se assemelhar a ruínas abandonadas, e vice-versa. Daí a sensação indicada pelo artista diante das imagens de “andar por uma rua qualquer do mundo”, numa temporalidade anacrônica e fragmentada, por cenas enigmáticas e ordinárias. Pablo Lobato passou a se interessar pelas composições inusitadas e situações que encontrava abandonadas pelos pavimentos das ruas, como intervenções, marcas involuntárias e organizações precárias no espaço público, estruturas instáveis para uso cotidiano, arranjos provisórios de objetos, registros esquecidos pelo chão. São espaços anônimos que se oferecem ao olhar despretensiosamente, mas com uma sofisticação formal notável que emerge da simplicidade, do acaso ou mesmo da distração, entendida com instância que instiga a sensibilidade. Levado por uma atenção flutuante e aberta ao fluxo silencioso da vida que passa pelas ruas e nelas imprime delicados vestígios, Pablo Lobato deixa-se encantar com as dimensões mais corriqueiras e invisíveis pelo hábito da nossa experiência visual urbana e cotidiana. As páginas de “RUA” são lugares esvaziados nos quais podemos passear (e também nos perder, flanar, derivar...) e encontrar sensações insuspeitas, que oscilam entre o familiar e o insignificante. É convicto de que um “traço de vida” se manifesta de maneira intensa e singular no inesperado, no impermanente, entre ruídos e acidentes, nas dimensões latentes do não-vivido e naquilo que escapa ao planejado ou ao controle que Pablo Lobato celebra o que chama de “infinita singularidade”: “Para além de uma certa solidariedade com a matéria e com a memória, o que também me inspira nestes arranjos acidentais são suas infinitas singularidades”.  

Júlio Martins, curador e editor


 [1] CARRIÓN, Ulises; CADÔR, Amir Brito. A nova arte de fazer livros. 
      Belo Horizonte: C/ Arte, 2011. 72 p
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