AS FORMAS VERBAIS DA INTERPRETAÇÃO DELIRANTE

 

Paul Guiraud
Médico adjunto dos Asilos

 


De todas as construções delirantes, as que são baseadas nas interpretações se aproximam mais do modo normal do pensamento; elas podem até ser elaboradas em um sistema bastante verossímil. Sobre esse ponto de vista, Sérieux e Capgras puderam dizer com razão que o delírio de interpretação é um tipo de “loucura convincente”.

Existem, no entanto, formas de interpretação que são absurdas. Queremos falar das associações verbais nas quais, da simples analogia do som das palavras, o doente passa para a identidade das coisas que elas representam. Todos os autores que se ocuparam dos interpretadores notaram suas tendências em brincar com as palavras. Sérieux e Capgras assinalam que “o sujeito emprega frases com duplo sentido, exprime seu pensamento na forma de trocadilho e rébus”.

Essas formas verbais da interpretação delirante devem ser estudadas do ponto de vista da clínica e do mecanismo psicológico.

Semiologia

Clinicamente, podemos descrever as seguintes variedades:

- as alusões verbais;

- as relações cabalísticas;

- as homonímias;

- os raciocínios por jogos de palavras.

As alusões verbais

Essa primeira forma pode ser considerada como uma transição para a interpretação verbal pura e é observada com bastante frequência no delírio de interpretação clássico. Os doentes pensam que seus inimigos ou seu meio buscam fazê-los compreender certas coisas através de objetos ou palavras de duplo sentido. “Meu marido deixou na sua mesa de cabeceira uma tabaqueira de chifre, é para me fazer compreender que eu já tinha um.” “Minha cunhada me enviou treze ovos por encomenda postal e colocou meu nome na parte inferior da caixa, era para me fazer compreender que eu era uma mulher inferior e que pessoas como eu há treze às dúzias.” Um ciumento, ao receber uma carta manchada, diz “que a mancha foi feita voluntariamente para lhe dizer que sua honra tinha sido manchada”.

Nessa primeira verdade, há realmente interpretação verbal no sentido de que a consonância análoga de duas palavras basta para provocar a ligação das ideias que elas representam. Mas, por outro lado, o raciocínio ainda está vinculado à lógica comum e até mesmo à verossimilhança, já que os doentes creem que essa alusão por trocadilho é feita voluntariamente por pessoas mal-intencionadas. Trocistas desenhavam chifres na frente da casa de M. Bergeret para lhe fazer compreender seu infortúnio.

As razões cabalísticas

Nessa forma, o doente utiliza sobretudo os números para encontrar aproximações inesperadas. O dia de seu nascimento, o número de sua casa, a data ou os anos de sua internação lembram-lhe aniversários históricos: revoluções, golpes de estado, guerras passadas ou futuras que ele incorpora a seu delírio.

Um dos doentes (M., obs. III) escreve ao decano da Faculdade de Medicina:

Visto minha internação na data fixada, em 2 de dezembro de 1901 (cinquentenário do golpe de Estado), visto a data de meu nascimento, 25 de fevereiro de 1866 (revolução de 1848), em emprego casa Akar, rua de Cléry, 19, já que 19 sem 1 (1901) ... Exatamente lua nova no fim de 1901 [...] peço-lhe que faça a seguinte pergunta à Assembleia competente: Por que existem pessoas que vêm ao mundo em data fixada e por que ficam loucos em data fixada?...

Uma interpretadora[1] encontra na perda de uma moeda de quarenta vinténs a prova de que ela ficou quarenta anos sem conhecer seu pai. A mesma doente, fazendo adições múltiplas e complacentes de sua idade, de alguns números representando o nascimento de suas filhas etc., fica convencida de que ela previu as datas dos principais acontecimentos de sua vida.

Da mesma forma, um doente de Beaussart[2] dá importância aos números fatídicos 19 e 86. Ele acha que um mistério liga Beaussart à sua mãe já que seus dois nomes são simbolizados pelo número 86. Esse número é obtido completamente artificialmente através desses cálculos complicados baseados nas letras que lhe são favoráveis.

As homonímias

A interpretação verbal por homonímia consiste em aproximar ou em assimilar duas ou mais pessoas devido à identidade de seus nomes ou sobrenomes.

A seguinte observação mostra o quanto esse raciocínio pode dar extensão ao sistema delirante.

Observação I: G.E., cujo pai esteve internado durante dois anos no asilo de Rodez, era até a idade de 30 anos um bom marceneiro, apresentando, segundo sua mulher, apenas um pouco de nervosismo. Nesse momento, G. foi tomado repentinamente por um acesso de agitação violenta que é curado depois de um tratamento de quinze dias no asilo de Rodez. Quatro anos depois, ele teve um novo acesso com agitação e inquietação ao longo do qual tentou se suicidar jogando-se debaixo das rodas de um caminhão. Seu estado melhorou rapidamente e, ao fim de um mês, ele pode retomar suas ocupações.

Dois anos depois, uma nova crise de um mês o deixou taciturno e irritável. Ele tinha ideias de ciúme, ameaçava e batia na sua mulher, intrometia-se na vida de seus vizinhos. Ele passeava a noite em seu quarto, gritando e cantando.

Em 6 de março de 1912, G. deixou seu domicílio, entrou em uma igreja da vizinhança, subiu em uma cadeira para fazer um sermão, apoderou-se de um crucifixo e saiu cantando cânticos. Ele foi preso e internado no asilo de Braqueville.

No início de sua estadia, ele apresentava um estado de excitação hipomaníaca com volubilidade extrema, agitação motora, irritabilidade e ao mesmo tempo múltiplas ideias delirantes de ciúme, perseguição, espoliação de uma herança. A excitação melhorou bastante rapidamente, as ideias delirantes ficaram mais tenazes.

Atualmente, sete anos após sua internação, G. se acostumou à vida do asilo. Ele conservou uma competência profissional intacta e se ocupa ativamente com trabalhos de marcenaria. Não se encontram mais traços do triste estado cenestésico que o levou outrora a uma tentativa de suicídio. Pelo contrário, ele fica continuamente satisfeito consigo mesmo, com sua superioridade, condescendente, jovial, loquaz. Normalmente, ele acolhe muito amavelmente seu meio, mas também tem antipatia por algumas pessoas com as quais ele se irrita facilmente.

Paralelamente a essa excitação, um sistema hipomaníaco se desenvolveu, um sistema delirante que se baseia em numerosas interpretações verbais.

G. pensa ter pregado uma peça em seus antigos patrões que não quiseram levar em conta seus conselhos, esses senhores da Faculdade e da Universidade que o obrigaram a instalar de um modo ridículo a iluminação elétrica da biblioteca. Ele teve a boa ideia de vir até o asilo e se “credenciou” com o diretor e os médicos. Assim ele faz parte de uma organização muito poderosa, sobretudo durante a guerra, em que esses médicos obtiveram vários distintivos e condecorações. “Só nos resta nos apresentarmos à universidade de quepe na cabeça para mostrar quem somos.” Ele acha, entretanto, que a administração, de que ele gosta, é muito indulgente, sobretudo com os doentes que não trabalham. Ele se recusa a fazer os reparos nesses “bairros de preguiçosos”. “Você deveria, diz ele, se apressar para mandá-los de volta para a casa, ou melhor, para o cemitério.”

As ideias de ciúme têm apenas um papel apagado e episódico.

G. está preocupado agora, sobretudo com questões de herança, de depósitos nas sociedades financeiras e, enfim, com a influência, cada vez maior, de personagens que lhe foram hostis, influência que ele contrabalanceia, felizmente, por suas numerosas relações.

Em nome do povo francês, ele redige extensos memorandos em estilo jurídico para reclamar especialmente contra os grandes estabelecimentos de crédito que ele chama de “sociedades de credenciamento”. Eis um exemplo resumido de seu modo de pensar:

Parece, diz ele, que o Senhor G. Marc Jean Joseph Émile há vinte anos assistiu um incêndio em sua qualidade de bombeiro. O senhor Armance Laurent, ajudante no Corpo de Bombeiros, lhe deu um grande voto de confiança se fazendo substituir por ele em uma ronda e lhe diz até que, por “autoridade ele o nomeava seu substituto pós-morte e que ele lhe legava seu sabre, sua dragona e seu quepe ...” Então o senhor G. Marc Jean Joseph Émile, constatando a presença em Braqueville de uma bomba de incêndio e as pompas fúnebres de Braqueville, faz uma oposição formal à Société générale des pompes funèbres, rua Lafayette, Toulouse, que se colocava em representação direta com a Société générale d’accréditement, sita à rua de Metz, em Toulouse, do que não podendo aceitar a fusão...

Em outros escritos ele reclama oito ações mexicanas a estabelecimentos financeiros e, sobretudo a um notário, M. Lacombe, seu principal perseguidor, que “usou de procedimentos desleais para com todas as classes da sociedade, tanto do ponto de vista militar, civil, comercial etc.” Esse notário é prefeito de sua cidade e tem uma filha cujo nome é France. Pelo seu sobrenome Lacombe, ele conseguiu “fusionar” com uma série de outros Lacombe: um, comerciante de vinho, o outro, empregado no comércio, o outro, proprietário, em Paris, em Toulouse, em Montpellier etc. Essas fusões aumentaram consideravelmente a influência de Lacombe e provocaram os acontecimentos mais desastrosos: ruínas, divórcios, internações.

Ao dar continuidade a esses feitos, esse mesmo Lacombe, torna-se prefeito[3], mãe, pai, par da França e fusiona com uma família Ca., cuja filha também se chama “France”.

“Ao proceder sempre por homonímia”, esse mesmo Lacombe fusionou enfim com a imperadora da Rússia já que France Ca. tem uma irmã que se chama Olga.

Por fim G., ao reler seu memorando, acrescenta, então, a lápis, uma última fusão: o filho Ca., funcionário da prefeitura, encarregado das finanças, “fazia a fusão pela Tesouraria Geral”. Esta última fusão, implicava o crédito na Tesouraria Geral e, coisa mais grave, essa extensão progressiva da potência de Lacombe invadia novamente o domínio de G., “já que o diretor da Tesouraria Geral possuía um notável bufê de salão que era a representação de um aparador fabricado por G. e premiado no concurso de Rodez. Lacombe se colocava então, sem o seu conhecimento, como seu representante pelo setor mobiliário”.

É preciso notar o significado particular dos termos fusão, representação e credenciamento. Essas palavras têm para G. uma significação especial e diferente do sentido normal. A “fusão” por homonímia acrescenta a uma pessoa as relações, a potência da homonímia. O doente acaba por fundi-las em seu inimigo. A “representação” agrupa preferencialmente objetos que se parecem: entra-se em representação por móveis semelhantes, por casas vizinhas, morando na mesma rua, na mesma cidade etc. Enfim, o “credenciamento” é tomado em seu sentido mais extenso de crédito, de influência, de relação. Credencia-se em um banco por um depósito, mas também se credencia no exército se tiver sido mobilizado, na faculdade, se for doutor ou estudante. Essa extensão do conceito já foi assinalada pela escola de Zurique e por Blondel.

A construção delirante de nosso doente é inteiramente baseada nas aproximações verbais; ele nunca apresentou alucinações nem ilusões. Suas ideias de prejuízo nunca foram além da perseguição física pela voz, máquinas misteriosas, influência telepática etc.

Fora do tema delirante, a atividade intelectual permanece intacta, a memória é perfeitamente conservada, o raciocínio, estudado pela resolução de problemas, pela construção de silogismos, é normal, assim como a orientação, o comportamento e os sentimentos afetivos.

O início com três acessos prováveis de mania e a persistência de um estado hipomaníaco fazem dessa observação uma forma mista de psicose periódica e de delírio de interpretação, associação já assinalada por Specht.

A interpretação por homonímia deve ser distinguida da simples associação verbal que podemos encontrar na mania e em certas formas de demência precoce. Nesses casos, uma palavra evoca outra com consonância idêntica; mas a ideia ou a pessoa representada por essa última palavra apenas se sucedem sem ligação na mente do doente. G., ao contrário, está convencido de que as fusões verbais que ele faz assimilam completamente os diversos personagens evocados que se tornam, todos, encarnações de seu perseguidor Lacombe. A analogia verbal é, para ele, uma verdadeira prova, como se ela resultasse de um rigoroso silogismo. Os logo, os por conseguinte com os quais ele esmaltava seus escritos mostram que a analogia tem para ele o valor de um argumento decisivo.

Os raciocínios por jogos de palavras

Realmente, esta é a forma de interpretação verbal mais frequente. Ora, trata-se de um verdadeiro trocadilho e a similitude de duas palavras basta para estabelecer para o doente uma relação real entre duas ideias e toma o valor de uma prova; ora a palavra é decomposta em fragmentos que, por aproximação com palavras consoantes, dão uma explicação mórbida da palavra inicial.

Vamos citar exemplos dessas duas variedades.

Observação II: B. E. foi internado em maio de 1894, com 27 anos. Transferido para o asilo de Auxerre, ele fugiu em 1906, tendo sido rapidamente reintegrado ao asilo de Vaucluse. O certificado assinala nesse momento que ele sofre de degenerescência mental com ideias de grandeza e de perseguição, interpretações e alucinações, loquacidade incoerente, múltiplos jogos de palavras.

Até agora os sintomas são mais ou menos os mesmos. B. elaborou um delírio extremamente complexo, às vezes ininteligível, por causa da transformação de sua linguagem.

Ele pensa que é parente da Senhora viúva Boucicaut, que tinha depositado para ele no escritório das rendas da rua de Valois 500.000 francos em ouro, a 3%, o que deve render 15.000 francos ao todo. Mas, dessa quantia, B. só tem direito a um terço, ou seja, 2.500 francos por semestre; os outros dois terços devem “com sua assinatura” pertencer a três professores do serviço de saúde para “cuidados de inteligência”. É preciso dizer que esses três professores se tornam sempre os Três Mosqueteiros, em particular Aramis... Eles são dirigidos por Sr. de Bourneville que, por telefone, dá ordens e conselhos a B. Assim, tudo iria bem sem o serviço secreto de sugestão. Esse serviço, dirigido por Legrand Dussaulle e pelo irmão de B., o persegue há muito tempo. Pelo tubo de Roentgen ele é eletrocutado, torturado, tem os dentes arrancados, é emagrecido e, sobretudo, sodomizado. Numa operação simultânea, tem um olho furado. Tudo isso é feito por seio químico e por tauromaquia. Esses dois neologismos parecem representar para ele violências de ordem sexual. Suas dores são sempre designadas pelo nome de hypondiarques.

Os 5.000 francos nunca lhe foram pagos; é porque Legrand Dussaulle, que se torna sucessivamente Le Grand du Sault, o Grand Dû, o Barão, o barão de Morcerf etc., não aceita lhe prestar contas e quer guardar para si todo o dinheiro da senhora viúva Boucicaut, que é sua parente e outrora salvara da prisão seu avô, o barão Saint-Julien du Sault. O grande Dussaulle quer esposar Rose Caron com suas rendas. Ele já comprou o beaujolais (propriedade natural de Beaujot). Desde sua internação, B. reclama então oralmente, por escritos e cartazes, a punição do serviço de sugestão, sua parte do dinheiro e rendas, a autorização para se casar, uma boa cozinheira para servi-lo, como uma chamada Marguerite de Pont-sur-Yonne.

Ao lado do Sr. de Bourneville, ele tem, para sustentá-lo, toda a Grã-Bretanha, para a qual ele prestou grandes serviços; o Ministério da Guerra, para o qual ele aperfeiçoou o fuzil Lebel. Se lhe é impossível obter satisfação, ele pede para transgredir: alguns adiantamentos da sua fortuna lhe bastariam e lhe permitiriam voltar para o Norte para instalar uma casa de bronzes de arte e de fonógrafos.

Enquanto isso, B. está tranquilo no asilo. Ele não quer mais fugir, já que Sir Francis Bertie lhe recomendou, e ele trabalha regularmente na fabricação de isqueiros e outros objetos metálicos com uma grande habilidade. Ele continua preocupado com as vozes e as máquinas do serviço de sugestão e protegido pelo Sr. de Bourneville.

Afora seu tema delirante, sua memória, seu raciocínio e sua orientação são normais. Ele se interessa por todos os acontecimentos do asilo, lê e comenta os jornais e incorpora as notícias a seu delírio. Sua linguagem, do ponto de vista profissional e na conversa comum, é lógica como estrutura e como entonação, e contrasta estranhamente com a incoerência da exposição de suas ideias delirantes.

A interpretação por trocadilho é para B. o modo mais habitual de dar extensão a seu delírio.

Aramis, um dos três professores-mosqueteiros, é, como ele, perseguido fisicamente. Em um desenho, B. o representa deitado com o ventre aberto, com as entranhas arrancadas. Ele escreve: “Ele foi curado (curé)”, e do lado do desenho, figura um padre assistido por coroinhas usando cruzes. Um padre (curé) participou então dessa operação.

Uma pretensa ordem de alta teria sido assinada por Gambetta e Cuisinier, o que prova, escreve B.: 1° que em termos de savoir-faire sou cozinheiro e represento também cozinheira. Sabemos que ele pede sempre uma boa cozinheira (como Marguerite).

A prisão de Landru lhe lembra os crimes dos quais é vítima e como Landru foi preso em Gambais, escreve:

Aqui se mata em Landru

Contra a ordem Gambai tta.[4]

Ao buscar noivas dentre todas as mulheres que ele vê no asilo, ele fica muito preocupado com a ideia de casamento. Também, ao fazer um mapa em que se encontram desenhadas a Ilha da Reunião, a Ilha Maurício e a Austrália, ele escreve a título de conclusão: Reunião, Maurício, Adelaide (Austrália) e abaixo: “como você não casa por empreendimento comercial você não reúne Maurício a Adelaide”.

O nome Legrand Dussaule lhe fornece uma série de trocadilhos.

Dussaule foi reunido por consonância à cidade de Saint-Julien-du-Sault em Yonne[5]. Esse Saint-Julien-du-Sault tornou-se, não se sabe como, Barão e avô de Legrand Dussaule. Saint-Julien acaba por se escrever “seio”[6] e assim o Barão intervém nas preocupações sexuais de B. que pensa sempre em mulheres com seios fartos que ele chama de corsetières[7], e também em seio químico, que representa a ideia de falsa mulher e de sodomia sofrida por ele.

 

Observação III: M. F. tem uma irmã com delírio persecutório internada em Saint Lizier.

Em 1901, uma artista italiana tinha sido assassinada em um hotel, Boulevard de Clichy, 52. Na véspera do crime, M. tinha ido ver sua noiva, farmacêutica em Reims. Na volta, ele passa pelo Boulevard de Clichy, 52 para cumprimentar o proprietário do hotel que ele conhecia bem e lhe deixar um cartão, ignorando o que tinha acontecido. Ele só soube do crime ao ler os jornais, vindo em seguida ver o patrão por curiosidade. Esse lhe diz: “Vi o assassino descer.” Logo depois, M. notou que olhavam atravessado para ele na casa onde trabalhava; olhavam para ele com “um ar encomendado pela polícia”.

Na noite de 2 de dezembro de 1901, ele teve uma série de pensamentos. Primeiramente, ele tinha deixado um cartão no Boulevard de Clichy, 52: a prova de que ele tinha ido lá. Em seguida, tinha notado que um empregado de sua noiva, vestido de cinza, tinha um ar e uma barba estranhos. Ele pensou tê-lo reconhecido rondando com um ar embaraçado nos diversos restaurantes. Além disso, tinha percebido que sua mala tinha sido desarrumada, alguém a tinha vasculhado, e como ele possuía roupas cinza, o empregado de sua noiva devia ter pego essa roupa para cometer o crime.

Enfim, a palavra do proprietário do hotel: “Eu vi o assassino descer” era uma alusão direta a ele, M. Ele decide fugir, mas tem a impressão de que segue um caminho “como se tivesse sido traçado de antemão pela polícia ou por sua noiva”.

Ele compra uma navalha para se suicidar; em seguida, renuncia à sua ideia e vai até a delegacia de polícia para se justificar.

Pouco a pouco, o delírio se complica. M. compreende porque se quis envolvê-lo nesse assassinato. Ele é proprietário de uma casa maldita em Orsay. Essa casa, tendo pertencido outrora a um israelita, Sr. Lévy, não pode ser de um católico. Paris inteira depende dessa casa que tem 6.000 anos. É um negócio governamental. A casa, bem situada, poderia ser substituída por um vasto imóvel que expandiria Orsay e faria concorrência a Versailles. O governo deve ter ficado sabendo que ele tinha a intenção de começar a reformá-la e lhe quis mal.

Os astrônomos logo entram em cena. Sua casa era talvez destinada a um encontro de astrônomos e se sabe que esses últimos são sempre homens do governo, por exemplo, o Sr. Poincaré. Existe, portanto, um fio astronômico em todo esse caso. Ele entendeu isso ao ver a lua em Bicêtre. A astronomia, ao se ocupar do curso dos astros e do calendário, certamente arranjou sua vida antecipadamente já que todas as datas importantes de sua existência são históricas: 2 de dezembro, 25 de fevereiro...

As interpretações retrospectivas se tornam numerosos raciocínios por jogos de palavras e decomposição silábica, e se multiplicam. Ao mesmo tempo, M. se torna recriminador, violento e manifesta várias ideias de grandeza. Ele envia problemas, razoáveis inclusive, para diversas autoridades para lhes provar sua lucidez. Enfim, ele afirma que é um sujeito predestinado e que desde o dia 19 de novembro de 1903 ele deu um golpe de estado intelectual e que é Carlos Magno, o chefe do Estado da França. Ele ia ser assassinado, mas saiu vencedor. Suas ideias de grandeza são instáveis e intermitentes e correspondem aos períodos de excitação. Em outra ocasião, ele nomeia Victor Napoleão imperador e algum tempo depois, tendo visto uma figura de mulher em uma janela da vizinhança, ele reconhece a grande duquesa Olga, sua parente.

M. não parece ter verdadeiras alucinações. Ele é avisado por sinais, transmite seu pensamento por um tipo de telégrafo sem fio e recebe a resposta na forma de intuição.

O acervo mental é bem-conservado, a orientação e a memória são normais. M. não trabalha, mas observa tudo o que acontece no pátio, faz reclamações judiciosas, escreve às vezes para as autoridades para pedir sua alta. Acontece de ele excitar voluntariamente os débeis de sua seção.

M. decompõe os nomes próprios e lhes dá uma significação de acordo com seu delírio. São, diz ele, etimologias. Por exemplo, ele entende bem que devia ser infeliz em Paris, já que ao pronunciar o nome com o sotaque alsaciano se obtém: Baris, o que significa que o baixo povo aí ri e, por conseguinte, debocha das pessoas. Da mesma forma, o médico, cúmplice de seus perseguidores, não é mais do que um camponês endomingado já que em Archambault, temos Bault, logo Bauer, logo camponês.

B. (obs. II) faz também etimologias: M. Dide deveria lhe dar alta e lhe prometeu isso. Ao inverter as sílabas, encontramos:

Di-de

Dé-dit

Logo, ele deve ser um homem sem desdito que não volta atrás em sua palavra.

O ecônomo Sr. Salinié contribui para persegui-lo e sujá-lo. Com efeito:

Sali-nié[8]

O presidente da República deve ter se ocupado de seus negócios financeiros já que Sadi Carnot representa Sadi Car-notaire.[9]

Querem obrigá-lo a se expatriar no Pará, no Brasil, então é enviado ao

Para-dis perdu[10]

Essa decomposição literária ou silábica não é específica dos nomes próprios. M. (obs. III), ao escutar um dia um idiota soltar gritos inarticulados, o atinge porque ele escutou Poa, Poa: P. representa Panama, O. Orsay, A. Alsace, palavras que são para ele alusões desagradáveis.

Outra vez, ao ver um enfermeiro com um colarinho de celluloïd, conclui daí que o jogo de damas que ele usa lhe fora enviado da Alemanha por Loulou, a filha de seu patrão. Com efeito, sempre pronunciando com o sotaque alsaciano, celuloide representa: c’est Loulou Lloyd[11] (Lloyd sendo a companhia de navegação que transportou a encomenda).

Uma outra de nossos doentes, além de várias alucinações psicomotoras, utiliza interpretações desse tipo. Ela é Jesus Cristo feita mulher e a República: “Com efeito, eu me entreguei a vários amantes, logo a raie[12] de meu fundamento foi pública, logo sou a República.”

As interpretações verbais, quando frequentes, dão à linguagem uma característica particular que contribui para a incoerência. Se não levamos em conta as assonâncias que unem as afirmações do doente, nos surpreendemos ao ver aparecer em seu discurso elementos inesperados, verdadeiros disparates. Os acontecimentos corriqueiros do asilo ou da política são introduzidos muito frequentemente no delírio com o auxílio de associações verbais.

Mecanismo psicológico

Trata-se agora de pesquisar por quais mecanismos psicológicos se formam as interpretações verbais tão ricas em certos delírios.

Interpretações com justificativa lógica

Os autores[13] já associaram certas variedades ao “simbólico”, em particular as interpretações sobre os números. A analogia dessas construções mórbidas com certas teorias simbólicas paracientíficas ou filosóficas é, com efeito, impressionante.

Sterne publicou uma “Cognomologia” ou arte de conhecer a personalidade das pessoas de acordo com seus nomes. Os astrólogos acreditavam que o signo do zodíaco que coincide com o nascimento de um indivíduo influi na sua personalidade. O próprio Santo Agostinho[14] pensava que havia uma relação entre o número 4 e o corpo humano, já que era composto de quatro elementos. Inversamente, toda coisa composta por três elementos era de ordem espiritual.

Capgras e Trénel[15], ao estudar as interpretações por analogia numérica, as aproximaram das teorias dos cabalistas pelas quais “as letras hebraicas são estritamente correspondentes às leis divinas que formaram o mundo. Cada letra representa um ser hieroglífico, uma ideia e um número. Combinar letras é, então, conhecer as leis ou as essências da criação”.

Todos esses sistemas de pansimbolismo têm uma base falsa, mas são construídos de modo coerente e tentam dar uma explicação lógica dos fatos. Como mostrou Ribot, o caráter fundamental do simbolismo místico é a intensidade do estado afetivo que faz descobrir uma ideia oculta em todo fenômeno.

Do mesmo modo, encontramos doentes que apresentam o seguinte delírio: “Existe entre diversos acontecimentos, diversas pessoas, relações reais que se traduzem por semelhanças de palavras, analogias de números. O vulgar não pode compreender essas relações, mas elas aparecem claramente para um espírito sutil.” Uma situação como essa é observada em certos interpretadores verbais: aqueles que encontram em todo lugar alusões verbais e muitos daqueles que procedem por relação cabalística. Como os filósofos simbolistas, esses doentes constroem um pequeno sistema bastante coerente e lógico. Alguns se acreditam cercados de inimigos, de trocistas e explicam por intenções maldosas e premeditadas do seu meio todas as alusões que descobrem. Os outros admitem que no universo tudo se passa por relação numérica, tudo está previsto em data fixada; eles justificam seu sistema multiplicando essas coincidências de número. Nosso doente M. (obs.III) escreve à Academia de Medicina: “Por que existem pessoas que vêm ao mundo em data fixada e por que ficam loucos em data fixada? [...] Para os doutores que não veriam aí senão números que não têm nada a ver com a medicina, eu tenho informações mais precisas à disposição deles.”

Todos esses doentes têm a impressão de serem muito inteligentes, muito perspicazes, já que, de saída, encontram uma série de analogias, de relações, de alusões lá onde um homem comum não vê nada de anormal. De onde vem essa tendência patológica? Capgras explica isso por um exagero desviado do senso crítico. “O espírito falso de interpretador – ele diz – tem, independentemente de todo fator emocional, uma tendência espontânea a buscar a explicação de coincidências fortuitas [...]. Se a causa provocadora do delírio parece muito ser uma perturbação afetiva que desencadeia aptidões interpretativas, latentes até então, é a perversão intelectual que transforma o julgamento passional em ideia delirante e o fixa irrevogavelmente.” Essa hipótese de uma inteligência congenitamente construída nos parece inútil.

Primeiramente, o estudo dos antecedentes dos doentes não mostra de nenhum modo que “desde a infância faziam hipóteses ao perceber pequenos detalhes” além de qualquer fator afetivo. Em seguida e, sobretudo, é preciso ressaltar que essa tendência interpretativa está exclusivamente localizada no tema delirante, mesmo nas formas avançadas de que falaremos mais adiante. Se M. (obs. III) considera seu médico como um camponês, é que ele entendeu que ele se associava a seus perseguidores. G. (obs. I) procede por homônimos ou jogos de palavras com relação ao pessoal do asilo porque ele os coloca dentre seus protetores, mas na vida diária ela pensa como todo mundo. B. (obs.II), enfim, faz jogos de palavras com quase todos os nomes próprios que ele encontra nos jornais, mas infalivelmente suas conclusões estão relacionadas ao seu delírio.

A intensidade de um estado afetivo prevalente nos parece a única causa das interpretações verbais que estudamos neste momento (alusões e relações cabalísticas). Em nossos doentes, sua ação intervém nos processos intelectuais de modo ainda mais importante nos interpretadores comuns e provoca uma “polarização” não somente da associação das ideias, como também da associação das palavras. Ao invés de se agrupar segundo as leis da lógica como no homem normal, ao invés de se agrupar ao acaso, como no maníaco, as ideias e as palavras tendem sempre ao sentimento delirante.

Sem dúvida, todos esses raciocínios são absurdos aos olhos de um homem normal, mas pode-se dizer que há perda do senso crítico? Coloquem o mesmo doente em presença de um problema matemático ao seu alcance, de um raciocínio complexo, mas indiferente, ele os resolverá sem dificuldade. Então o senso crítico não desapareceu inteiramente; ele está mascarado pela intensidade do estado afetivo, mas somente no domínio do delírio. O mesmo acontece para as ideias delirantes de outros doentes, do melancólico, por exemplo, que sabe com certeza que é culpado ou que grandes males o ameaçam sem poder dar a elas uma significação lógica. O homem normal que está vivendo uma “experiência religiosa” não está mais entravado por seu senso crítico porque está tomado por uma convicção, por uma evidência mais potente, mas de uma outra ordem, que não a evidência intelectual.

Quando ele teve essa nova certeza afetiva resultante de uma ligação de palavras consoantes e de números iguais, nosso doente que conservou seu senso crítico, sua necessidade de lógica, tenta colocá-la em harmonia com o resto de sua personalidade, tenta fazê-la entrar em um quadro intelectual. É então que ele admite a hipótese de alusões feitas voluntariamente por pessoas malevolentes ou relações entre números e coisas externas. Como um intelectual que quer justificar uma hipótese, ele multiplica os exemplos favoráveis. O sentido lógico obedece à tendência afetiva, mas a força a tomar uma aparência intelectual.

Em suma, as características das interpretações verbais desse primeiro grupo são: 1. a polarização da associação das palavras pelo estado efetivo; 2. a perda localizada do senso crítico; 3. uma tentativa de harmonização entre a nova certeza afetiva e a inteligência.

Interpretação sem justificativa lógica

Muitos interpretadores verbais, por relações numéricas, homonímias, jogos de palavras, entram em um segundo grupo. Neles, não encontramos nenhuma tentativa de verificação, nenhuma explicação geral, nenhum sistema. Da consonância das palavras, ou de seus fragmentos, surge uma certeza indiscutível que o doente não tenta coordenar logicamente com seus processos intelectuais. Lacombe se torna par (pair) de France já que é pai (père) de uma filha chamada France (obs.I); B. (obs. II) é sujado (sali) pelo Sr. Salinié, ecônomo, já que Sali-nié, ele é bom cozinheiro já que a ordem de sua alta foi assinada pelo Sr. Cuisinier (cozinheiro) etc. Nenhuma teoria geral entre os nomes de pessoas e suas ações vêm embasar seus raciocínios; eles merecem o nome de interpretação somente porque os logo, os por conseguinte, e outras preposições de relação lógica são conservadas, o que dá à linguagem uma máscara silogística. Mas, por detrás dessa máscara, não há dúvida crítica, nem tentativa de agrupamento sistemático; a aproximação das ideias se faz de saída com a certeza da evidência. Essa certeza foi elaborada nas profundezas do inconsciente afetivo e sai daí absoluta; a função lógica é reduzida a um resíduo: o hábito de exprimir nossos pensamentos em forma de raciocínio. Não há mais tentativa de harmonização entre a nova certeza afetiva e a inteligência que continua a agrupar e dirigir os pensamentos fora do delírio.

Esses mesmos doentes, com efeito, tão absurdos na exposição de suas concepções de perseguição ou de grandeza, continuam a ser bons trabalhadores, se interessam por tudo, têm uma excelente memória, são capazes de resolver problemas bastante difíceis.

Como explicar esse contraste?

Na nossa opinião, não podemos concluir senão uma coisa: é que esses delírios crônicos se desenvolvem como verdadeiros neoplasmas psicológicos. Assim como os tumores malignos têm leis citológicas especiais diferentes daquelas dos tecidos normais vizinhos, os elementos do tema delirante se organizam segundo leis totalmente diferentes da psicologia normal. O que domina nos processos psicológicos mórbidos é a intensidade do potencial afetivo; seu agrupamento é efetuado segundo um automatismo exaltado e dirigido pela tendência afetiva; eles rompem os quadros intelectuais para aparecerem desnudos no inconsciente ou revestidos somente de farrapos silogísticos. É então que aparecem os aspectos assinalados pela escola de Zurique e por Blondel, a extensão afetiva do conceito, os neologismos, as fórmulas estereotipadas das quais citamos exemplos em nossas observações. Pensamos que essa concepção pode lançar uma luz sobre a questão tão debatida da demência de certos delírios crônicos. Se os examinamos pelos seus delírios, ficamos impressionados pelo absurdo das construções doentias, a incoerência da linguagem, os neologismos e pensamos em uma debilitação intelectual. Se, pelo contrário, observamos sua excelente memória, sua conduta, sua atividade profissional quase sempre conservada, tendemos para a afirmação contrária. Essa situação se observa tanto em interpretadores puros quanto nos alucinados. As observações de delírio crônico muito prolongado com alucinações sem demência não são raras (Chaslin, Séglas, Kræpelin[16], Dide). É fácil notar que as demências legítimas, quaisquer que sejam, sobretudo as intelectuais (paralisia geral, demência senil ou orgânica) ou que afetem a atividade e a afetividade (demência precoce) são lesões globais de todo o psiquismo. Na medida em que o delírio evolui, podemos observar uma verdadeira involução da interpretação delirante para a afirmação puramente afetiva. Nosso doente M. (obs. III), nos primeiros dias de sua doença, sentia que o acusávamos de um crime. Ele acreditava que um de seus cartões de visita deixado no local do crime havia chamado a atenção da polícia, ele fazia uma interpretação delirante de tipo passional; mais tarde, ele chegou a interpretações estranhas de coincidência das datas de nascimento ou dos números de sua casa com acontecimentos históricos; ele tenta ainda harmonizar suas convicções com a lógica ao admitir a existência de homens predestinados cuja vida é traçada de antemão por relações numéricas; mais tarde enfim ele chega aos trocadilhos absurdos (celuloide: c’est Loulou (é Lulu) que a enviou pelo Lloyd) sem nenhuma tentativa de justificativa.

Essa sucessão mostra o recalque progressivo do senso crítico pelo estado afetivo patológico.

Os jogos de palavras que tomam forma de um raciocínio são a última concessão ao modo lógico do pensamento.

 

Tradução: Soraia Mouls

 

[1] Société Clinique de Médecine Mentale, maio 1911.

[2] Société Clinique de Médecine Mentale, maio 1912.

[3] Em francês, a palavra “prefeito” (maire) tem a mesma pronúncia que a palavra “mãe” (mère), e a palavra “par” (pair) também tem a mesma pronúncia de “pai” (père).

[4] Gambais é o nome da cidade em que Landru foi preso. Pronuncia-se como Gambe que o doente utiliza para fazer o trocadilho com o nome Gambetta.

[5] Departamento francês da região da Borgonha.

[6] Sain e sein = têm a mesma pronúncia e os respectivos significados: “são” e “seio”.

[7] Pessoas que vendem espartilhos.

[8] O verbo salir em francês significa sujar. O particípio passado do verbo é sali, ou seja, “sujado”. Da mesma forma, nier pode ser traduzido como “negar” e nié seu particípio passado: “negado”.

[9] Car introduz uma causa: “pois” e, notaire, pode ser traduzido por notário.

[10] Para-dis* perdido (não sabemos se aqui o dis é a conjugação na primeira ou na segunda pessoa do singular do verbo “dizer” em francês). Teríamos então: “Para-digo perdido” para a conjugação na primeira pessoa e “para-dizes” perdido para a conjugação na segunda pessoa do singular.

[11] C’est Loulou Lloyd: É Lulu Lloyd.

[12] Raie: pronuncia-se [re], portanto ela é ré, culpada.

[13] Société Clinique de Médecine Mentale, maio 1911.

[14] Santo Agostinho, Sermão ao Salmo VI.

[15] Société Clinique de Médecine Mentale, maio 1911 (Leroy e Capgras, Symbolisme dans une psychose interpretative).

[16] Émile Kræpelin, Conceptions des paraphrénies, ver Halberstadt, Revue de psychiatrie, 1912.

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