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Meios e mensagens no domínio do capitalismo contemporâneo

Eduardo de Jesus*

 

Um dos marcos nos estudos de comunicação de massa é o pensamento do canadense Marshall McLuhan (1911-1980). The Medium is the Massage: An Inventory of Effects (1967) – uma de suas publicações mais importantes, quase um livro-objeto pelo primoroso trabalho gráfico (de Quentin Fiore, coautor e designer) na relação texto-imagem – trazia no título a frase que faria mais conhecido o pensamento de McLuhan: o meio é a mensagem, título ainda do primeiro capítulo de seu livro anterior (Understanding Media: The Extensions of Man, 1964).

A máxima de McLuhan vem sendo, ao longo do tempo, atualizada e também criticada de forma profícua. Entre as muitas reflexões, destaca-se a teoria crítica latino-americana (como as reflexões do colombiano Jesús Martín-Barbero, entre outros) que deslocou a questão e o interesse da mensagem e do meio para as mediações. De toda forma, quando as tecnologias digitais começaram a entrar na vida cotidiana na segunda metade da década de 1990, McLuhan voltou à tona e seu pensamento, de modo muito superficial e simplista, foi aproximado de certo deslumbramento tecnológico que não conseguia perceber a demanda política que começava a se desenhar ali.

Como afirmou Deleuze, em um de seus últimos textos, "Não é uma evolução tecnológica sem ser, mais profundamente, uma mutação do capitalismo"[2]. Naquele momento, as promessas eram outras e iam de uma comunicação horizontal, sem mediações e totalmente livre, até um suposto rompimento de barreiras, já que acreditávamos naquele período que o mundo estava sem fronteiras. O 11 de setembro de 2001 reposicionou a geopolítica, trazendo-a para o centro do debate político internacional, fazendo,nos perceber as limitações e os constrangimentos típicos das chamadas, naquela época, novas tecnologias. A ideia de que as tecnologias digitais, especialmente a rede, iriam colapsar os sistemas massivos, como a TV, foi derrubada em pouco tempo quando vimos que os meios se rearranjaram e se misturaram de novos modos com as diversas mídias. Agora sabemos que não há substituição e sim uma extrema complexificação no modo como os meios se relacionam e se inserem nas demandas culturais, políticas, subjetivas e sociais.

No entanto, o que vemos agora é que o meio, em nossos usos cotidianos, nos mapeia, acaba por cartografar desejos e nos devolve em forma de produtos muito adequados ao nosso consumo. Do Spotify ao Netflix, dos e-mails à propaganda inserida nos websites, as novas plataformas em nosso uso geram esses desenhos de preferências e tendências. No Facebook, os nossos likes ou dislikes se convertem em um sofisticado mapa de preferências que alimentam as marcas para nos oferecer produtos cada vez mais adequados. A memória, que antes se alimentava de outras materialidades, hoje também se nutre com os sucessivos posts que o Facebook nos envia dizendo “3 anos atrás...” ou mesmo o Google nos encaminha fotos que nos mostram a cada semana um recorte de memórias produzidas por nós, em nossas fotos ordinárias do cotidiano. 

Com isso, o meio deixa de ser a mensagem para se tornar uma habilidosa forma de controle. Além disso, houve certa surpresa quando governos de extrema-direita assumiram os meios digitais – sem qualquer traço ético – criando caos político e social. Uma demonstração disso foram os esforços da empresa Cambridge Analitics (que combinava mineração e análise de dados com comunicação estratégica para o processo eleitoral) em alguns contextos políticos e sociais no mundo, entre os quais a eleição de Donald Trump, o Brexit e até a avalanche de fake news da campanha de Jair Bolsonaro. Esse contexto se caracterizou pela associação entre desinformação e a novidade de um serviço mais recente (como o WhatsApp), culminando em uma escalada de mentiras que mudou a opinião de muitas pessoas.

Se o livro de McLuhan, que completou 50 anos em 2017, foi premonitório de uma série de fenômenos que experimentamos com a internet, colocando os meios como extensões dos sentidos, hoje vemos que tudo mudou muito. O campo tecnológico – distante do pensamento libertário de pioneiros como Vanevar Bush, nos anos de 1950, ou de desenvolvedores importantes como Tim Berners-Lee, que com sua equipe criou os protocolos da World Wide Web – assumiu novas feições estranhamente ligadas ao capitalismo cognitivo as quais modulam as formas de subjetividade.

Os meios e suas mensagens são, em seus agenciamentos sociotécnicos, novos equipamentos coletivos de subjetivação, seguindo as reflexões de Guattari, e agora nos assediam criando uma outra paisagem espaço-temporal ancorada na urgência dos cliques e no imediatismo das trocas simbólicas. As relações entre eu e outro ganham a força dos algoritmos em seus processos de mediação. Desse contexto, emergem ditadores, influenciadores digitais (dos mais diversos tipos e formas) em tramas que associam a antiga audiência dos sistemas comunicacionais massivos aos sofisticados algoritmos de controle e vigilância dos modos de uso. Utilizar as plataformas alimenta os serviços de informação e mapeamento de preferência. Ao buscar esse ou aquele filme no Netflix, cada um de nós está informando ao algoritmo suas preferências. São milhões de usuários em todo o mundo.

Apesar de parecer, não se trata de mais um episódio da série Black Mirror[3], mas pode estar muito próximo de um departamento de marketing digital de alguma grande corporação transnacional ou de algum gabinete de ódio espalhado pelo mundo. Outras modulações dos meios, das mediações e das mensagens nas novas demandas comunicacionais do capitalismo contemporâneo.  


Notas e referências 

[1] DELEUZE, Gilles. Post-scriptum: sobre as sociedades de controle. In: ___. Conversações. São Paulo: Editora 34, 1996. p. 219-226. 

[2] Série de ficção científica disponível na Netflix que trata de forma bem ousada e original os muitos efeitos e desdobramentos dos usos das tecnologias de comunicação.   

* Eduardo de Jesus é professor do departamento de Comunicação da UFMG.

 

*Eduardo de Jesus é professor do departamento de Comunicação da UFMG.

 

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