DEPOIMENTO DOS ANALISTAS DA ESCOLA SOBRE A EXPERIÊNCIA

COM O IMAGINÁRIO E O REAL NO FINAL DE SUAS ANÁLISES

 

 

Fabián Naparstek, Sandra Grostein, Beatriz Udênio

 

Ao trabalhar o estatuto do Imaginário no último ensino de Lacan, a equipe da Revista Derivas Analíticas se deparou com o desejo de saber mais sobre as experiências com o Real e o Imaginário no fim de análise. Para tanto, lançamos a seguinte pergunta aos Analistas das Escolas (AEs) da Associação Mundial de Psicanálise:

Se o núcleo real do sintoma não fala (é mudo, no final de sua análise), esse núcleo, de algum modo, se fez mostrar por meio de uma imagem?
 
SANDRA GROSTEIN (AE/EBP 2019-2021): Antes da minha última sessão de análise, muito raramente acontece isso, em Paris estava nevando e levei um tombo, eu escorreguei porque estava muito liso o chão. Esse tombo que levei foi no momento em que tinha a neve, digamos, derretendo. Essa é uma imagem que me fez gravar esse real. Qual real? De ‘um corpo que cai’. Estou usando aí a metáfora de um filme, de um corpo que cai, mas que tem condições de se levantar num momento em que há o imprevisto, o imprevisto de um encontro. Um encontro que, supostamente, seria um encontro de despedida porque eu já estava com minha análise por terminar. Exatamente antes da minha última sessão de análise, eu levo esse tombo, me levanto toda molhada e suja e, inclusive, perdi a minha carteira. Então, ao me levantar e chegar na sessão molhada, rindo até – porque não me machuquei felizmente. Eu diria para você que eu me lembro exatamente dessa imagem do tombo.
 
FABIÁN NAPARSTEK (AE/EOL 2002-2005)Em Lacan, há uma ideia, de que gosto muito, já desde o início de seu ensino: que aí onde está o buraco (furo) do real aparece o imaginário. Talvez em Freud também, não dito da mesma maneira. Um exemplo muito claro é o esquecimento de Signorelli. Quando Freud diz que tem um esquecimento, diz que há um branco. No lugar do branco ele recorda a imagem do afresco. E o esquecimento é um vazio simbólico. Quer dizer que no lugar do vazio simbólico aparece a imagem. Essa é uma maneira como aparece o real na neurose.

Por outro lado, na psicose, especialmente na esquizofrenia, nesse vazio simbólico não aparece o imaginário. Na neurose, o retorno do real tem a marca do imaginário.

Derivas Analíticas: E na esquizofrenia?

FN: Há um real totalmente cru e um real cozido. Na neurose, o Nome-do-Pai cozinha o real. Há um real totalmente cru que aparece fundamentalmente na esquizofrenia e não na neurose. É muito difícil encontrar na neurose um real totalmente cru. Essa é uma boa imagem para pensar a diferença.

Derivas Analíticas: Esse real cru pode ser encontrado, por um instante, na neurose e o simbólico vir cozinhá-lo? 

FN: A imagem de Lacan é do real opaco. E a opacidade é interessante porque Lacan diz que o falo colore os gozos, e colorir é dar sentido. Vermelho, amarelo é uma maneira de fazer diferenças. E quando fazemos diferenças, damos sentidos. De fato, os nós, as cordas dos nós... Alguém pode dizer RSI, mas pode dizer vermelho, azul e amarelo para diferenciá-los. Em topologia, quando se utiliza os nós, utilizam cores para diferenciar uma coisa da outra. Então, isso é uma diferença simbólica. Quando dizemos opaco, não é nem vermelho, nem branco. É fora do que se pode colorir. Digo sempre que o gozo opaco é insípido e incolor como a água, não tem nem gosto e nem cor. 

BEATRIZ UDÊNIO (AE/EOL 2014-2017): O imaginário em Lacan não somente se articula com o eu e o sintoma. Por trás, entremeado, está o fantasma. Em meu caso, a necessidade de encantar o Outro era o que me fazia andar pela vida sustentada num tipo de imagem que queria mostrar ao Outro, precisamente para alcançar esse efeito. Porque era um modo de constatar que eu teria um lugar no desejo do Outro. Disso se desprendia um modo de poder sustentar-me no mundo e no reconhecimento do Outro. Aí a articulação entre o eu, o fantasma e o modo sintomático estavam no mesmo plano. Para mim, o efeito mais importante nesse nível, que vocês colocam como pergunta, foi de ter deixado cair qualquer necessidade, desejo ou impulso de ter que encantar o Outro. Isso caiu: encantar o Outro (sujeitar o Outro com o encanto) e deixar-me encantar pelo Outro. Quando caíram nos dois níveis, creio que aí sim há um ponto que liga dois aspectos: num é um alívio inclusive na alegria pelo desprendimento dessa submissão, e noutro é uma recuperação de um aspecto da solidão, própria de cada um que nos acompanha e acompanhará sempre, que é habitada por mim de outro modo. De um modo fecundo, por assim dizer, essa solidão se implica sem Outro.

Portanto, talvez seja um modo de sustentar-me com esse ponto. Esse para mim é um ponto de real. Essa solidão que já não busca o Outro. Isso é um modo de poder andar pela vida. Sustenta-se o corpo também de modo diferente.

Derivas Analíticas: Essa sustentação do corpo de um modo diferente, essa solidão, ela de algum modo não vem acompanhada de outra imagem que você tem de você mesma, por exemplo?

BU: Talvez venha acompanhada do desinteresse em fazer-me uma pergunta ou buscar alguma resposta sobre qual imagem me sustenta. Porque isso também acompanha o que dissemos que ocorre em outros níveis, como o desinteresse pelo sentido. Esse ponto nunca havia me ocorrido antes, não é a perda de sentido ou a fuga de sentido ou que há algo que está do lado do impossível de dizer. Pelo menos a mim, produziu um desinteresse pelo sentido. Isso te permite ir muito mais leve pela vida. Esse é um aspecto que também podemos explorar no último ensino de Lacan.

O tema do um sozinho creio que articula todos esses aspectos. Porque o um sozinho, sem o Outro, leva a palavra solidão. Há algo do só, de sustentar-se nisso. Acredito que é importante dizer como se esvazia o sentido. Porque o imaginário também é sentido imaginário, não é só uma questão de imagem (de imagem corporal, de representação). Há algo que se cola aí: o sentido. Quando se está colado ao fantasma, é o sentido da frase fantasmática. Há algo, de pronto: é um desinteresse. Essa palavra vou recuperar. Obrigada, vou seguir trabalhando com isso.

 

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