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Subirusdoistiozin, de Criolo

 

Filho de nordestinos, Kleber Cavalcanti Gomes nasceu no bairro de Santo Amaro, em São Paulo, e passou boa parte da vida morando no Grajaú, consagrando-se com o nome artístico de Criolo. Sua mãe fundou no bairro o Centro de Arte e Promoção Social (CAPSArtes), e Criolo já trabalhou ali como arte-educador.

Em entrevista à BBC News Brasil, feita por Mariana Alvim, em 2020, Criolo se disse “em construção e capenga, mas um tanto que cai, levanta”, e se referiu à cidade de São Paulo como “uma cidade de não pertencimento”, que “tem um jeito de respirar e de escolher os seus componentes”, “uma pessoa e sua família, e a cor da pele da sua família, e a história de vida e a cultura de sua família que vem de outros Estados”, definindo “que tipo de cidadão merece receber qual tipo de serviço, que é o básico do básico de obrigação do Estado”. “É a vida toda vendo a desgraça”, acrescentou, “contando quantas pessoas estão comendo do lixo agora”. Nessa cidade, na visão de Criolo, “não existe diálogo de maneira alguma e nunca houve”, e “cada favela é um campo de concentração”: “ninguém quer ver a classe mais frágil da sociedade sorrir, e aí é onde se condensa essa construção de ódio absurda”, “uma coisa que se constrói de quem tem que continuar sendo a ponta da escravidão e quem tem que continuar sendo o senhorzinho da casa branca”.

Em entrevista ao G1, feita por Misael Mainetti, em 2015, o rapper já falava, com amargura, da situação do país: “a sociedade precisa ser forte, as pessoas têm que encontrar força dentro de si todos os dias. A vida não está nada fácil, o jeito é encontrar um motivo todos os dias. Tem muitos problemas no nosso dia a dia, problemas sociais, e convocar o nosso próprio eu, convocar a nossa própria força é o jeito de seguir em frente”. Sobre a desigualdade social, apontada em suas músicas e rimas, Criolo dizia: “eu conto e eu canto os problemas de uma nação”, “nós estamos vivendo em um país cujo poder de decisão de vida e morte está nas mãos de poucas pessoas”. “Cês não tão sabendo, povo tá morrendo”, disparou ele em um verso da época, para em seguida refletir: “véus foram rasgados para as pessoas perceberem a desigualdade que existe aqui. Só agora descobriram que não tem hospital na favela? Que não tem saneamento básico? Que nós morremos mais e das formas mais cruéis? Só agora?”.

Agora, em 2021, no El País, em entrevista a Guilherme Henrique, Criolo, para quem a divisão social não é novidade − “na favela sempre se conviveu com isso” −, confirma o grau aumentado da desigualdade no Brasil: “parece que agora esse racha aumentou mil vezes”.

Criolo disponibilizou para DERIVAS ANALÌTICAS a canção Subirusdoistiozin, de 2010, com uma melodia que fica na cabeça – “paparapapá”, que veio da abertura de uma versão de Clara Nunes, em 1971, para Sabiá, clássico de Luiz Gonzaga −, e com uma fala, própria dos moradores do bairro Grajaú, que reivindica a língua como local de resistência. No clipe da música, produzido pela Cia de Cinema e dirigido por Tom Stringhini, que parece ser ambientado nos anos 1980, vemos Criolo quando criança na barbearia Cosme e Damião, onde esquemas errados conduzem dois senhores – os tiozinhos do título – a um fim trágico, em meio à corrupção de membros da sociedade, “perrecos” (quem fica de papo furado) de fora da comunidade, que têm “sucrilhos no prato”, e crianças armadas da favela (“tão de HK”), enquanto outros estão tranquilamente na praia com suas motos (“bonitão na praia de Hornet”). Criolo denuncia nessa canção o contraste entre a favela e aqueles que “contaminam” aquele espaço, contribuindo para a marginalidade florescer: “e covarde são, quem tem tudo de bom, e fornece o mal, pra favela morrer”; “quem sorri por aqui, quer ver tu cair”.

 

Subirusdoistiozin 

(Tem uns menino bom novo hoje aí na rua, pra lá e pra cá, que corre pelo certo...
Mas já tem uns também que eu vou te falar, viu... só por Deus, viu! Ave Maria!) 

Mandei falá, pra não arrastá, não botaram fé, subirusdoistiozin
O baguio é loco, o sol tá de rachá, vários de campana aqui na do campin
Má quem quer pretá, má quem qué branca, todo azulê requer seu rejuntin
Pleno domingão, flango ou macalão, se o negócio é bão, cê fica é chineizin
Cença aqui patrão, aqui é a lei do cão, quem sorri por aqui, quer ver tu cair
É, é... justo é Deus, o homem não, ouse me julgá, tente a sorte fi. 

Para pa pa, para pa pa, para pa pa, para para papa (4x) 

Só função no doze, na garagem um Golf, bonitão na praia de Hornet, fi
Tudo isso tem, e o apetite vai, pra bater de front, e Babylon cair
As criança daqui, tão de HK, leva no sarau, salva essa alma aí
Os perreco vem, os perreco vão, as vadia quer, mas nunca vão subir
Cença aqui patrão, eu cresci no mundão, onde o filho chora e a mãe não vê
E covarde são, quem tem tudo de bom, e fornece o mal, pra favela morrer 

Uns acham que são, mas nunca vão ser
Feio é arrastar e nem perceber 

Para pa pa, para pa pa, para pa pa, para para papa (4x) 

Só função no doze, na garagem um Golf, bonitão na praia de Hornet, fi
É, tudo isso tem e o apetite vai, pra bater de from e Babylon cair
As criança daqui, tão de HK, leva no sarau, salva essa alma aí
Os perreco vem, os perreco vão, as vadia quer, mas nunca vão subir
Licença aqui patrão, eu cresci no mundão, onde o filho chora e a mãe não vê
E covarde são, quem tem tudo de bom, e fornece o mal, pra favela morrer 

(Acostumado com sucrilhos no prato, né, moleque?) 

(Enquanto o colarinho branco dá o golpe no Estado)  

 

OLOKO RECORDS (ALTAFONTE)

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